Diário de uma balzaquiana
Quem não conta histórias não tem memória; acho que era minha avó que dizia isso.
E tenho tantas... Será que os 30 também trazem essa nostalgia?
Ou será a fase da lua?
As marés?
As oscilações hormonais?
Sei lá.
Quando eu fazia a 8º série, era mais tímida, mais isolada. Meu rol de amigos e amigas era super restrito, por não ser popular, é obvio.
Passava desapercebida no recreio, nas aulas e até nas festas comemorativas da escola. E até nem me importava muito com isso, minha pouca auto estima não era dada às popularidades.
Pra variar o enredo bem ao estilo filminho-sem-graça-americano, eu era simplesmente apaixonada pelo garoto mais bonito da escola: um loiro de olhos verdes, mais velho que eu e morador dos sonhos de uma dúzia de outras garotas como eu.
Romantica inveterada, achei que escrever fosse a melhor forma de compartilhar com ele daquilo que eu chamava o maior amor da minha vida, razão do meu respirar. Embuída desse espírito de Julieta resolvi escrever cartas anônimas pra ele, apaixonadas, quase blocos de rapadura de tanta doçura, choros, perfumes e decalques coloridos.
Eram uma, duas ate 5 cartas por semana. As declarações não tinham limites.
A entrega das cartas parecia saída do Missão impossível.
Tocava o sino do recreio, eu esperava todo mundo sair, uma amiga vigiava a porta, eu entrava sorrateira na sala dele, colocava a carta na parte inferior da carteira e saía de novo. Se alguem chegava, fingia procurar alguem.
Ele nunca descobriu quem era.
Nesse meio tempo de história que durou um ano, a amiga alcoviteira se apaixonou também e como nao tinha vocabulário ou dom para escrever, passou a cobrar cartas apaixonadas pela ajuda que me oferecia. Por causa das cartas, ela conseguiu o objeto se sua paixao que ficou encantado com a "sensibilidade da garota que escrevia aquelas cartas".
Até aí tudo bem, era um sacrifício barato pago pelos serviços prestados pela amiga. Só que o namorado dela passou a mostrar as cartas para a irma, que apaixonada pediu que a cunhada escrevesse cartas para ela entregar ao amado.
Minha amiga sem saber o que fazer, recorreu a mim que passei a escrever quase 15 cartas semanais sem repetir nenhuma. Eu escrevia como se fosse a personagem da história, sentia o que a outra pessoa sentia, desenhava com as palavras os sonhos de outra sonhadora.
Uma dessas cartas foi parar acidentalmente no livro de uma professora, que ao encontra-la leu no meio da aula para toda a classe, querendo saber quem era a autora.
Vermelha, tremendo e ja nao sabendo o que fazer, fiquei muda esperando que a sorte me mantivesse oculta.
Ledo engano. A professora conhecia minha letra, e veio falar comigo no final da aula.
Elogiou minha maneira de escrever, criticou meu excesso de timidez e quando achei que a conversa iria terminar na diretoria, chegou mais perto e disse:
Estou apaixonada e não sei o que fazer para que ele me note, sonho, choro e sofro por ele mas nao tenho coragem pra me declarar. Somos amigos e não sei qual seria sua reação. Será que vc poderia me ajudar com suas cartas?
Como dizer não para a professora? E o medo?
Lia escondida os romances da biblioteca municipal e me inspirava para escrever. Tomada pela história da professora, senti por ela piedade por viver uma história como eu. Foram as mais lindas cartas que já escrevi.
Após de 3 meses de cartas apaixonadas e sem remetente, resolvi em uma delas, dar pistas de que era a professora. Ele entendeu, foi falar com ela e disse estar apaixonado por ela, pela mulher que escrevia as cartas que ele lia e relia. Começaram a namorar e ele nunca soube quem escrevia as cartas. 5 anos depois, se casaram numa cerimônia emocionante e fiquei feliz por participar daquela história.
Durante o 8º ano, ainda escrevi outras cartas, para apaixonadas e apaixonados como eu. E nunca permiti que revelassem a autoria.
O Meu príncipe loiro nunca soube, nem mesmo quando mudamos de escola e numa festa do colegial ele me pediu um beijo.
A romantica escritora de sonhos seus e alheios está adormecida, mas eu nunca esqueci as chaves que me levam ao portal dos sonhos.