quinta-feira, 14 de abril de 2011

A escritora de sonhos

Diário de uma balzaquiana 


Quem não conta histórias não tem memória; acho que era minha avó que dizia isso. 
E tenho tantas... Será que os 30 também trazem essa nostalgia?
Ou será a fase da lua?
As marés?
As oscilações hormonais?
Sei lá.
Quando eu fazia a 8º série, era mais tímida, mais isolada. Meu rol de amigos e amigas era super restrito, por não ser popular, é obvio. 
Passava desapercebida no recreio, nas aulas e até nas festas comemorativas da escola. E até nem me importava muito com isso, minha pouca auto estima não era dada às popularidades.
Pra variar o enredo bem ao estilo filminho-sem-graça-americano, eu era simplesmente apaixonada pelo garoto mais bonito da escola: um loiro de olhos verdes, mais velho que eu e morador dos sonhos de uma dúzia de outras garotas como eu.
Romantica inveterada, achei que escrever fosse a melhor forma de compartilhar com ele daquilo que eu chamava o maior amor da minha vida, razão do meu respirar. Embuída desse espírito de Julieta resolvi escrever cartas anônimas pra ele, apaixonadas, quase blocos de rapadura de tanta doçura, choros, perfumes e decalques coloridos. 
Eram uma, duas ate 5 cartas por semana. As declarações não tinham limites.
A entrega das cartas parecia saída do Missão impossível.
Tocava o sino do recreio, eu esperava todo mundo sair, uma amiga vigiava a porta, eu entrava sorrateira na sala dele, colocava a carta na parte inferior da carteira e saía de novo. Se alguem chegava, fingia procurar alguem.
Ele nunca descobriu quem era. 
Nesse meio tempo de história que durou um ano, a amiga alcoviteira se apaixonou também e como nao tinha vocabulário ou dom para escrever, passou a cobrar cartas apaixonadas pela ajuda que me oferecia. Por causa das cartas, ela conseguiu o objeto se sua paixao que ficou encantado com a "sensibilidade da garota que escrevia aquelas cartas".
Até aí tudo bem, era um sacrifício barato pago pelos serviços prestados pela amiga. Só que o namorado dela passou a mostrar as cartas para a irma, que apaixonada pediu que a cunhada escrevesse cartas para ela entregar ao amado.
Minha amiga sem saber o que fazer, recorreu a mim que passei a escrever quase 15 cartas semanais sem repetir nenhuma. Eu escrevia como se fosse a personagem da história, sentia o que a outra pessoa sentia, desenhava com as palavras os sonhos de outra sonhadora.
Uma dessas cartas foi parar acidentalmente no livro de uma professora, que ao encontra-la leu no meio da aula para toda a classe, querendo saber quem era a autora. 
Vermelha, tremendo e ja nao sabendo o que fazer, fiquei muda esperando que a sorte me mantivesse oculta.
Ledo engano. A professora conhecia minha letra, e veio falar comigo no final da aula.
Elogiou minha maneira de escrever, criticou meu excesso de timidez e quando achei que a conversa iria terminar na diretoria, chegou mais perto e disse:
Estou apaixonada e não sei o que fazer para que ele me note, sonho, choro e sofro por ele mas nao tenho coragem pra me declarar. Somos amigos e não sei qual seria sua reação. Será que vc poderia me ajudar com suas cartas?
Como dizer não para a professora? E o medo?
Lia escondida os romances da biblioteca municipal e me inspirava para escrever. Tomada pela história da professora, senti por ela piedade por viver uma história como eu. Foram as mais lindas cartas que já escrevi. 
Após de 3 meses de cartas apaixonadas e sem remetente, resolvi em uma delas, dar pistas de que era a professora. Ele entendeu, foi falar com ela e disse estar apaixonado por ela, pela mulher que escrevia as cartas que ele lia e relia. Começaram a namorar e ele nunca soube quem escrevia as cartas. 5 anos depois, se casaram numa cerimônia emocionante e fiquei feliz por participar daquela história. 
Durante o 8º ano, ainda escrevi outras cartas, para apaixonadas e apaixonados como eu. E nunca permiti que  revelassem a autoria. 
O Meu príncipe loiro nunca soube, nem mesmo quando mudamos de escola e numa festa do colegial ele me pediu um beijo.
A romantica escritora de sonhos seus e alheios está adormecida, mas eu nunca esqueci as chaves que me levam ao portal dos sonhos.

vento

Era vento forte
Queria ser brisa suave
Só conseguia ser vento
Seu nome Tempestade