terça-feira, 24 de junho de 2008

Coração Prisioneiro


Ele passou dias, semanas, talvez meses, jogado num canto de um quarto. Não se lembrava mais de como era ser livre; respirar sem sentir aquele perfume inebriante; olhar para o horizonte sem ver aquele olhar que o prendia; andar sem rumo apenas pela agradável sensação de estar livre. Ficou muito tempo preso com algemas invisíveis a um sentimento nutrido unicamente por ele, sofrivelmente só ele.
Havia sido avisado que era apenas uma aventura, um passatempo; uma noite em que reinaria o prazer e a beleza apesar de indispensável, não era o fator predominante. Sem atender aos avisos que ouvia, se entregou ao deleite de amar, naquela noite, com voracidade de quem faminto, geme por pão; com a urgência do sedento, com o desejo subliminar em cada atitude. Não teve medo e se entregou.
Aos primeiros raios de sol, já estava ali, imerso numa paixão criada por ele mesmo. Mas como poderia não se apaixonar? Tinha sido tanta entrega, uma intensidade indiscritível, antes nunca vivida por ele. A lua, era ela a culpada por sua desgraça. Sua beleza exuberante e seu feitiço o inebriaram de doçura e luxúria e ele quis se entregar. Não, não poderia culpar a lua, ela apenas serviu como testemunha de um bel prazer que o levara ata ali.
Quis argumentar, dizer que estava disposto a tudo, tinha a necessidade de viver aquela paixão novamente. Não poderia esquecer o aviso, ele ainda ecoava a palavra aventura e só. Mas ele precisava de mais, um pouco mais. Tantas vezes desejou aquele momento, aquela união desenfreada de corpos e alma, não se importou em proteger-se. Sua perdição foi a paixão solitária. Como poderia conviver com a ausência do corpo, do desejo, da vontade, dos gemidos, da latência depois do prazer exaustivo? Ali jogado, essas eram apenas reflexões que agora não faziam mais sentido.
Resolveu acender a luz, no começo ofuscando sua visão pois ele já estava acostumado a escuridão do comodismo. Perplexo viu-se refletido no espelho; como envelhecera, tornara-se menos atraente, enfraquecido, miserável. Ajeitou as madeixas desarrumadas, endireitou o corpo, quis se mostrar por inteiro. A imagem refletida não tornou-se melhor que a anterior. Foi então que se deu conta do tempo perdido, da vida que passou. Ainda havia uma barreira a ultrapassar, abrir as portas e janelas fechadas para que a luz da vida por ele renegada, pudesse adentrar fazendo resplandecer o que ele havia esquecido. Tinha medo, faltava-lhe forças. Sabia como conviver com a paixão solitária, conhecia suas manhas e artimanhas, talvez não soubesse lidar com o novo. Fraquejou, quis sentar-se novamente. Porém a imagem no espelho repugnava-o pois o levava a sentir pena de si mesmo. Respirou fundo, lembrou das vezes em que implorando pedia uma noite a mais. Sentiu-se culpado. Abriu a primeira janela, diante de si surgiu uma paisagem belíssima, cheia de cores e melodias. Não se lembrava de como a vida era tão bonita. Sentiu uma vontade de correr, pular alto, gritar, cantarolar mesmo que desafinado aquela bossa conhecida do Vinicius. Abriu outras janelas, escancarou a porta, um calor prazeroso tocou seu corpo e viu-se renovado, mais bonito. Teve a imediata necessidade de viver. E como precisava de vida....
Saiu do quarto, da casa, de sua prisão e disse um amistoso bom dia à vida. Era como se renascesse, pois estava renascendo nele a esperança perdida. Primeira atitude de prisioneiro liberto: prometeu não mais se deixar aprisionar, não se prenderia a nada e a ninguém. Estava resoluto. Saiu para caminhar e ver o mundo. Enquanto caminhava, passou por ele um olhar, enigmático e acompanhado de um sorriso mais sedutor que gentil. Parou, estava enfeitiçado. Ia estender suas mãos aquelas que lhe eram oferecidas, quando, já entregue lembrou-se da imagem do espelho. Sorriu compassivo, agradecido pela gentileza, mas naquele dia, ele seria livre. Talvez amanhã sentisse falta daquelas mãos, daquele sorriso, mas hoje, havia vencido a si mesmo, seria livre.

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